sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

A despedida de um anjo

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Guilherme era uma criança linda e inteligente. Sua mãe trabalhava comigo e se fecho os olhos ainda o vejo chegando à escola, sorridente, para dar um beijo na mãe.

- Ainda vou estudar aqui, Zailda - ele sempre me dizia.

Infelizmente isso não estava nos planos do Criador. Na época eu morava no interior, em Pacaembu e ele em Junqueirópolis. Mudaram-se para São Paulo e quando soube da notícia da morte do Guilherme não pude acreditar. Não o Guilherme, aquela criança tão cheia de vida.

Entendemos a morte dos velhos e doentes mas custamos a aceitar mortes que para nós são precoces. O que nos conforta, no entanto, é saber que cada um de nós tem um tempo certo para ficar aqui e uma missão a cumprir.

Guilherme com certeza também tinha a sua, e se esta foi a de trazer-nos alegria e nos encantar com sua vivacidade certamente a cumpriu. Sempre que o via - e o via quase todos os dias - estava sorridente, tranquilo. Certamente Deus o amava muito para dar-lhe uma vida curta e serena.

Até há poucos dias eu não havia ainda conversado com Andréa (mãe de Guilherme) sobre esse assunto. Ela me contou de sua dor, e mesmo sendo mãe e tendo passado por uma situação semelhante (com final diferente) tenho dificuldade para avaliar sua dor, mas a imagino imensa, impensável, inimaginável.

Perdemos os pais e somos órfãos, perdemos o marido e somos viúvas, perdemos o filho e não somos nada. Nem um nome sequer pode definir a dor suprema de perder a carne que saiu de nosso ventre, a criatura que geramos, acalentamos, alimentamos e que é o bem mais precioso que Deus pode nos dar.

Eu desconhecia os detalhes sobre a morte de Guilherme, que ela me manda numa mensagem que aqui transcrevo na íntegra.

MENSAGEM DE ANDRÉA

No dia 25/07/2005 o Guilherme estava voltando de férias (da escola) da casa da minha mãe, vinha de carona com a minha sobrinha e o namorado dela, por sinal um rapaz super responsavel, ele ia levar o Gui até a casa dele que fica em Americana e o Jorge ia buscá-lo na Segunda-feira já que por "coincidência" ele tinha uma visita marcada na Segunda-feira lá em Americana.

Eu estava em casa assistindo um programa do Datena que passava aos domingos á noite e estava passando uma reportagem sobre crianças com Síndrome de Down, não sei o motivo, más estas crianças especiais de uma certa forma mexem comigo e muito. Não consigo ver uma criança Down sem me aproximar, tocar, é muito interessante este afeto que sinto.

De repente o telefone toca, o Jorge ainda disse: atende que é o Gui avisando que já chegou na casa do Osmair, era minha cunhada aos prantos dizendo que havia recebido um telefonema do Posto de Saúde de Piracicada dizendo que a Simone (minha sobrinha) havia sofrido um acidente e estava lá internada, na hora me veio a imagem do Gui á cabeça, minha cunhada não sabia dizer sobre ele, mas eu pensei que ele estivesse lá sentado em um banco do lado de algum guarda de plantão esperando eu chegar, foi esta a imagem que me veio a mente, o que já me deixou muito apavorada pensando em como ele estaria apavorado, com medo, esperando que eu chegasse logo.

Pegamos o carro e fomos para a casa da minha cunhada buscá-la para irmos para Piracicaba, no meio do caminho me deu um nó na garganta, resolvi ligar para a Nicinha (minha cunhada) e pedi o nº do Posto de Saúde que a Simone estava, ela me deu, liguei lá para saber notícias do Gui, ou para ver se conseguia falar com ele, dizer que já estava chegando...a recepcionista me deu a pior notícia que eu podia receber naquela noite, pediu para eu ligar para a Santa Casa de Piracicaba pq o Gui havia sido transferido para lá, fiquei sem chão, não conseguia raciocinar, mas graças a deus eu tinha o Jorge ao meu lado, nesta hora ele foi mais racional até pq ele tinha que estar mais calmo, para poder dirigir, então ele ligou para a Santa Casa, se identificou como o pai do Gui, eu só consegui ouvir na hora que ele perguntou..."Tomografia?".

Dá pra imaginar meu desespero? Pensando que o Gui estava bem e do nada fico sabendo que ele estava fazendo uma tomografia.

Foi o pior caminho da minha vida, era uma eternidade, não chegava nunca, pegamos a Nicinha com o marido e fomos para Piracicaba, eu não conseguia me conter, chorei o caminho todo, não falava uma palavra, só rezando e pedindo pra Deus não levar o meu filho.

Qdo chegamos acredito eu por volta de umas 22:30hrs, fomos direto para o Posto de Saúde até para podermos pegar o endereço da Santa Casa, o Osmair estava em estado de choque, pq ele foi o único que ficou consciente, então eu imagino o medo dele qdo eu e o Jorge chegasse, ele não sabia qual seria nossa reação, minha primeira atitude foi abraçá-lo bem forte e dizer muito obrigada por ele Ter socorrido o Gui, a reação do Jorge foi a mesma, sabe, mesmo estando super aflitos com o que iriamos saber sobre o Gui, conseguimos força e tranquilidade para acalmar o Osmair.

O que me assustava muito era a reação dele, ele não conseguia se controlar, foi muito forte o acidente, o que ele presenciou não deve Ter sido nada fácil de ver e isto me preocupava. Minha sobrinha estava com o rosto todo cortado pelos cacos do vidro, devido a batida do carro com o cavalo, qdo o cavalo atravessou a pista, meu sobrinho não viu, então qdo ele foi perceber, o carro já estava em cima, ele tentou desviar mas ainda pegou a traseira do cavalo no para choque do carro, parte do passageiro, foi uma pancada muito forte, os vidros vieram todos no rosto da Simone, uns 40min antes do acidente, o Gui havia perguntado se faltava muito para chegar, meu sobrinho avisou que eram uns 40min, ele disse: então vou dormir um pouco, na hora do acidente ele estava dormindo no banco de trás, com a pancada, ele bateu a cabeça no banco do motorista, chegando a entortar o banco, de uma tal forma que os bombeiros na hora dos socorros não conseguiam deitar o banco do carro para Ter acesso á ele, tiveram que entrar pelo bagageiro para poder retirar o Gui do carro, o único conciente era o Osmair, a Simone estava desmaiada, e o Gui em coma.

Ele deu entrada na Santa Casa em coma com traumatismo craniâno, o médico disse para nós depois que o quadro que ele chegou era já de quase morto, eles usam uma escala para avaliar o grau de evolução do paciente, é uma escala de 3 á 15, o Gui chegou no quadro 3, que pra eles é quase morto.

Cheguei na Santa Casa, me identifiquei como mãe do Guilherme, preenchi uma ficha e fiquei aguardando para vê-lo, foi uma eternidade, qdo o médico me chamou, veio uma sensação de medo e angústia, não sabia o que eu ia ver atrás daquela porta, ele logo foi explicando, antes de eu entrar que não era para eu me impressionar com o que ia ver, pq o "inchaço" era normal.

Zailda, vc não tem noção do choque que eu levei, qdo entrei na UTI e vi o Gui todo entubado, o rosto dele virou uma bola, do pescoço para baixo não tinha um arranhão, mas á cabeça, estava todo inchado, passei mal, tive que sentar, as enfermeiras vieram medir minha pressão, estava com a pressão baixa, me deram remédios, e me prepararam que o quadro dele era muito sério.

Qdo entrei que falei boa noite para uma enfermeira que estava do lado dele, o coração dele disparou, começou fazer aquele barulho forte e rápido, ele sabia que eu estava lá.

Bom aí começou meu pesadelo, não sabia o que fazer, pra onde ir.

O Gui ficou uma semana em coma, do mesmo jeito, minha mãe estava no interior, aí ela resolveu vir para Piracicaba, na noite anterior na Sexta-feira, eu fui visitá-lo, (eu ia todos os dias, de manhã e a noite,) eu percebi que ele estava diferente, parecia que estava dormindo mais profundo...Na manhã do Sábado, acordei com aquela imagem na cabeça, resolvi ir á uma igreja lá perto da casa do Osmair (eu estava ficando na casa dele, e o pior, toda vez q ia ao hospital, passava na frente de onde foi o acidente....) qdo cheguei na igreja fui até o santíssimo e naquele momento tive uma vontade muito forte de chorar e dizer que á partir daquele momento eu não ia rezar mais para pedir que o Gui ficasse comigo e sim pedir para deus fazer o que fosse melhor para ele e não para mim, percebi que eu estava sendo egoísta em querer o Guilherme comigo mesmo sabendo que seria em estado vegetativo não teria outra forma dele viver que não fosse esta, em momento algum eu pensei se ele queria viver desta forma, se ele estaria feliz vivendo em cima de uma cama vegetando, um menino que sempre brincou, jogou bola, vc lembra como ele era ativo.

O padre nos chamou para conversar, Zailda eu sentia como se estivesse conversando com deus, sabe aquela angústia da semana toda, tentando ser forte, pensamento positivo, toda aquela pressão....desabei....chorei muito, me aliviei...ele deu muito conselho e disse que iria lá no hospital ver o Gui, conversou bastante com o Jorge, que foi outro de desmontou....era muita pressão sabe, era tudo muito louco. Qdo o Jorge saiu da sala dele, eu já tinha conversado com ele, ele chamou um de cada vez, eu ouvia o choro do Jorge do lado de fora, o padre veio e me disse este homem te ama muito não se esqueça disto.

Fomos embora sabendo que o padre iria lá ver o Gui, mais tarde voltaríamos para ouvir o que ele tinha para dizer.

Fui para o Hospital mais cedo um pouco, pq minha mãe ia chegar, ela ia direto para lá, minha mãe chegou em cima da hora da visita, qdo cheguei no local onde entravam as visitas e dei o nome do paciente, o guarda disse que o médico pediu para entrar somente os pais, pq ele precisava falar conosco, gelei, qdo cheguei no quarto, o Gui estava lá com a mesma imagem de que eu havia deixado na Sexta á noite, não era a que eu estava acostumada a ver no decorrer da semana, o médico chegou, veio da casa dele só para conversar com os pais do Guilherme, e nos deu a notícia de que havia dado morte cerebral, não tinha mais o que ser feito.

Zailda meu mundo acabou, não conseguia administrar direito esta notícia, fiquei sem rumo, o médico perguntou se tinha mais alguém que eu gostaria que visse o Gui, então falei da minha mãe que havia acabado de chegar, e eu gostaria que ela entrasse, então ela veio até o quarto, até então ela não sabia ainda do que acabara de acontecer, só que pelo meu estado emocional e do Jorge, ela percebeu que algo tinha acontecido, então o médico disse á ela. Você consegue entender que o Gui só estava esperando minha mãe chegar para ir embora pro céu? E que para que isto acontecesse ele tinha que Ter a minha permissão, qdo eu o entreguei para Deus dizendo: Senhor faça do Guilherme o que for melhor para ele, hoje estou colocando meu filho em sua mão, estou devolvendo ao senhor o que é seu.

Zailda era o que o Gui estava esperando para ir embora.

A GRAVIDEZ

Foi numa madrugada de Sábado, "sonhei" com o Gui, ele estava chegando em casa, todo lindo, saudável, eu abraçei ele com aquele sentimento de alívio sabe como se todo o sofrimento tivesse acabado, como se tudo não passasse de um pesadelo e eu estava acabando de acordar, era um abraço de saudade de mãe mesmo, ele me disse sem eu perguntar nada: Mãe eu estou bem, eu estou feliz.....Eu segurei na mão dele e levei ele até o Jorge que estava na cozinha, e disse Jorge aproveita esta oportunidade e fala para o Gui o qto vc gosta dele, eles se abraçaram e o Jorge chorava muito, e o Gui sempre com aquela fisionomia serena, tranquila.....

No Domingo de manhã, o Jorge estava lá em baixo (eu moro em apartamento) na garagem fazendo umas reformas, eu fui lá e contei pra ele do sonho, ele pensou: a Andréa vai engravidar, o Gui veio dizer que estamos prontos.

Naquele Domingo era para vir minha menstruação, só que estava só aquela sujeirinha bem leve, eu pensei....Eu estou grávida....O Gui veio me dar esta notícia.

E assim foi, passaram uns 10 dias procurei a médica, a princípio eu não estava grávida, fiz um exame de gravidez deu negativo, só que minha menstruação nada, ela me passou um remédio para menstruar, tomei o remédio e nada, ela pediu outro exame de gravidez, para minha surpresa deu positivo....sabe que dia foi este? Dia 23/11/2007 no dia do aniversário do Gui.

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Querida Andréa:

Com certeza o fato de ter recebido a notícia da gravidez no dia do aniversário do Guilherme não foi coincidência, porque estas não existem. Deve ter sido uma forma de Deus lhe dizer que levou o anjo que havia lhe confiado por estar finda sua missão na terra, mas que tem outro tesouro a lhe confiar.

Não sei porque sempre que penso em seu bebê que está pra chegar, sempre imagino uma menina, e tenho certeza que ela (ou ele) trará a você e ao Jorge muitas e muitas alegrias, e que lhes dará um novo sentido à vida.

Beijos

(por Zailda Mendes)

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